Rubens Amador

Vi o Dr. Mozart bravo

Por Rubens Amador
Em 35 anos que fui comerciante estabelecido, só fui levado à Justiça do Trabalho uma única vez. O motivo da coluna de hoje me veio à memória por ocasião das justas homenagens que estão sendo concedidas à lembrança do ministro Mozart Victor Russomano pelo seu centenário. Preito mais do que merecido para um homem bom e culto.

Tinha eu um empregado já há quase sete anos. Pretendendo receber uma indenização, agiu de forma grosseira. Atendia a dois clientes. Um deles era João Doumid, excelente criatura já falecida. O outro era um cidadão meio áspero, considerado opiniático, embora bom sujeito. Pois naquele momento o aludido empregado vem pegar o serviço atrasado em uma hora. Passou por nós que estávamos na recepção, a ninguém cumprimentou, e foi dirigindo-se à oficina. Interpelei-o: "Sr. Fulano, o fato de não cumprimentar ninguém é caso de educação. Mas o senhor me deve uma explicação por que chega atrasado." Ele foi curto e grosso na resposta que, entendia, se encaixava nos seus propósitos: "Se o senhor quer que eu venha na hora, dê as voltas que tenho que dar!" Olhei para os clientes e perguntei-lhes: "Os senhores ouviram?". Ambos assentiram com a cabeça, e então voltei-me para o empregado e disse-lhe que juntasse suas coisas, se retirasse, e que estava despedido por sua resposta insólita. Ele o fez. 
Dias depois recebi uma intimação da Justiça do Trabalho. Era meu advogado e grande amigo, o Dr. Rubens de Oliveira Martins. Quando chego ao Tribunal, que ficava então ali na rua Felix da Cunha, esquina Sete de Setembro, vejo que o juiz seria o Dr. Mozart Victor Russomano, com quem nunca havia falado, mas que já o admirava; impecavelmente vestido; e que seria o mediador da pendência (o fato já deve ter-se perdido no escaninho de suas lembranças), o que muito me agradou, pois conhecia sua capacidade. Sua figura me impressionava muito por sua cultura ímpar, por todos reconhecida.

Acompanhavam-me, minhas testemunhas. Estávamos na frente do Tribunal à espera de sermos chamados, quando, o ex-player do Grêmio Esportivo Brasil, o Tavares, que era o meirinho da Junta, chega-se até nós e convida aos atestantes a passarem para a "sala das testemunhas". João Doumid prontamente acatou o convite enquanto o outro, com soberba, respondeu ao oficial que não entraria, e que iria ficar ali na porta. Tavares, que era afável, delicadamente insistiu, dizendo-lhe ser aquilo praxe processual, e que cumpria ordens do juiz. A testemunha manteve-se rígida: "Ficarei aqui na porta, não entro!" O oficial então comunicou o fato ao Dr. Mozart. 
Quando olho, vinha, com fisionomia contraída, passo apressado, o Dr. Mozart, então uma figura jovem e elegante como ainda hoje o é, e me assustei; porque a testemunha era minha e a reconhecia em erro. "O senhor é obrigado a obedecer a ritualística processual. Posso mandar conduzi-lo, sob vara, até a dependência indicada. Mas não vou fazê-lo, bem assim como vou dispensá-lo de testemunhar. Queira retirar-se." Tudo pronunciado com notória severidade, o que fez com que o homem se encolhesse, creio que apreensivo, ante a reação do juiz, Dr. Mozart Victor Russomano.

Neófito nessas questões trabalhistas, pensei logo: "Estou ferrado, logo com a minha testemunha..." Desenvolveu-se a sessão. Veio a deliberação: tive ganho de causa por três a zero! O que equivalia dizer que além do meritíssimo, votaram a favor de minhas razões, os dois vogais: o dos empregados e o dos empregadores. Não deixou dúvidas. Desde aquela distante época, daquele incidente provinciano, sou admirador deste homem de qualidades hoje reconhecidas universalmente. Recondidamente, confesso que o admiro, sobretudo por me ter feito justiça um dia. (Possuo em meus arquivos carta do Dr. Mozart, relembrando o fato de maneira muito expressiva.)

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